março 15, 2007

Ainda os Trotes

Abaixo, matéria veiculada no Jornal Zero Hora do dia 14/03/07 - ainda os trotes.

"Trote: brincadeira ou humilhação?
Recepção de calouros na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) exige coleta de dinheiro nas esquinas e banho com água contaminada
LÚCIA PIRES

O dia de receber novos colegas é preparado com requintes de criatividade na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). E, dependendo do status do curso, o ritual do trote supera a tradicional brincadeira da tinta colorida. Na Faculdade de Veterinária, a recepção deste ano trouxe sentimentos de submissão, humilhação e um banho completo com caldo de peixe engrossado com enxofre e excrementos.
- Me senti uma prisioneira de guerra, humilhada em frente a uma platéia. É a coisa mais dispensável da face da terra. Um desperdício de tempo, de tudo. É degradante - disse uma caloura.
As ameaças de retaliação que levam à participação nos trotes também evitam as denúncias. Por isso, a universidade não foi notificada sobre os ferimentos nos joelhos de uma estudante.
- Tivemos de ficar ajoelhados por uma hora, sem falar nas brincadeirinhas constrangedoras, como mostrar sutiãs e cuecas, passar bala de boca em boca, ter de beijar partes do corpo de colegas e pegar moedas no chão sem dobrar o joelho - reclama outra estudante da Veterinária.
O pior do trote, para uma terceira estudante do curso, é o risco com a saúde pelo contato direto com milhares de bactérias reunidas no tonel do trote sujo que, segundo os estudantes, continha excrementos de animais. A brincadeira ocorre todo semestre no campus, embora já proibida pela direção.
- Escapamos este ano de ter de entrar em uma piscina de sujeira. Isso é diversão só para os veteranos. Recebemos bálsamo alemão nos cabelos, que fede por três dias e pasta de alho no corpo - disse a estudante, que teve de jogar toda a roupa fora depois do primeiro dia de trote.
A segunda etapa da recepção na Veterinária é amena: os estudantes devem recolher dinheiro nas sinaleiras (cena comum nas esquinas da Capital nesta época). O dinheiro é recolhido para a bebida da primeira festa do ano.
- Não gostei da tarefa porque tive de tirar o lugar de um mendigo. Isso não é justo - disse um estudante, explicando que executou a tarefa para não sofrer retaliação.
No pátio da Veterinária, dizem os estudantes, também houve espaço para um trote inteligente. Mesmo com pouca ênfase, no terceiro dia, os calouros tiveram de doar ração, potes e jornais velhos para os animais do hospital veterinário.
- Tivemos de ajudar os animais do hospital. Este é o trote que vamos reproduzir, se pudermos mudar esta tradição de humilhações e desrespeito em que se transformou o trote na faculdade - disse a futura veterinária, de 18 anos. ( lucia.pires@zerohora.com.br )

"Ninguém é obrigado a participar"

Encarregado de fiscalizar o trote na Faculdade de Veterinária da UFRGS, o presidente do Diretório Acadêmico, Ricardo Araújo da Costa, 22 anos, garante que nada ocorreu fora do normal no pátio da faculdade. O trote sujo é aplicado todo ano no primeiro dia de aula.
- Os veteranos fazem uma pressão psicológica, mas as ameaças não se cumprem. Ninguém é obrigado a participar. Eles acham que somos uns monstros, mas depois isso passa. Também sofri trote, com ovo, farinha, erva-mate, água de peixe e eu gostei - diz, Ricardo, que garante desconhecer o conteúdo do líquido elaborado para sujar os calouros deste ano.
Conforme o estudante, cerca de 80% da turma de 40 alunos participou do trote.

No limite do trote
Reitoria da UFRGS montou comissões de alunos e professores para fiscalizar recepção de calouros nas unidades

A reclamação dos calouros do curso de Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) surpreendeu o diretor da faculdade. Para Vladimir Pinheiro do Nascimento, é difícil entender por que os estudantes ainda se submetem a situações de constrangimento provocadas pelos veteranos.
- Avisamos no primeiro dia de aula que ninguém deve passar por humilhações ou brincadeiras que não concordem. Não sabia de qualquer descontentamento porque ninguém reclamou à comissão que acompanha os trotes - disse o diretor.
No ano passado, os bixos da Veterinária tiveram de mergulhar em uma piscina de sujeira. Este ano, uma portaria proibiu o uso de piscinas para o trote. A turma usou então um tonel. Conforme o diretor, ele viu o recipiente no pátio, mas a "brincadeira" já havia ocorrido, e não pôde evitar. Professores que preferem não se identificar dizem que o cheiro do líquido usado para molhar os calouros se espalha pela faculdade, e a falta de repressão é revoltante. Por isso, eles pretendem intensificar o trabalho de conscientização do trote em 2007.
- Só quando uma turma decidir mudar é que vamos virar o jogo. Não podemos impedir o trote - lamenta o diretor.
Para o secretário de assuntos estudantis da universidade, Ângelo Ronaldo Pereira da Silva, a maior preocupação é com o recolhimento de moedas nas sinaleiras. A universidade não recomenda, teme pela segurança dos alunos, mas diz que não pode impedir a prática.


Submissão e esquizofrenia

Da antiga passeata dos bixos pela Rua da Praia ao banho de imundices lá se vão algumas décadas. Tempo em que os estudantes modificaram radicalmente o ritual de ingresso na universidade.
- Não sei ao certo por que eles aceitam a humilhação. Posso pensar que há uma submissão tácita aos parâmetros instituídos, uma falta de reflexão sobre o que se faz no trote. É uma aceitação em grupo - diz a psicóloga da UFRGS, Maria Célia Lassance.
Para a especialista, o adolescente necessita do grupo, pois ainda não tem sua identidade completamente estabelecida. E se submeter às normas e práticas impostas acaba sendo o caminho de se integrar, já que os veteranos pertencem ao ambiente universitário e são os "donos" do espaço. Impedir brincadeiras humilhantes, para a psicóloga, é um desafio a ser vencido por alunos e pela instituição.
- Permitir que futuros profissionais, de quem se exige ética, respeito ao ser humano e à diversidade façam esta separação esquizofrênica entre classes de pessoas é fomentar a idéia de que as regras de solidariedade e compromisso ético estão ao sabor do momento - diz a psicóloga."
Abaixo, foto de um calouro gaúcho, no outro post a foto é de calouros paulistas.

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Em uma das etapas do trote, os calouros devem recolher dinheiro nas sinaleiras, cena comum nas esquinas de Porto Alegre nesta época do ano.
Foto: Genaro Joner/ZH
Obs.: Amanhã é um dia especial aqui no blog, apareçam e deixem seus comentários, ok?

3 comentários:

Anônimo disse...

Amiga minha sobrinha qdo passou para UFRJ em 2005 passou por 1 semana de vários trotes e um deles era recolher grana nos sinais eruas da cidade...Eu acho isso muito chato, trote legal é mandar doar sangue, doar cestas de alimentação pra uma instituição...
Um bjão

Jôka P. disse...

O que é que vai rolar aqui no "dia especial do blog" ???
Me convida ?

Jôka P. disse...

Será que é seu aniversário ?